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Resenha: A arte, de Juanjo Sáez

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Quando escrevi há mais ou menos um ano uma série de textos sobre como renovar o quadrinho regional, uma das coisas que eu pontuava era da necessidade de lembrarmos de dialogar com outros campos de arte, principalmente a literatura e as artes plásticas. Hoje é impossível não olhar para esse texto e sentir que ele está ultrapassado e que era ridiculamente pretensioso, ainda que bem intencionado. Esse ponto, porém, não deixa de me parecer importante, embora talvez, à época eu devesse ter lembrado que, em tempos recentes, nós nos quadrinhos tendemos a nos aproximar mais da literatura. Isso por dois motivos principais: a) desde pelo menos os anos 80 vem se consolidando a tendência de valorizar mais os roteiristas que os desenhistas e b) as artes plásticas (ou melhor: a noção do que é ‘boa arte’ em artes plásticas) se tornaram cada vez menos acessíveis ao grande público. Falo isso como parte desse grande público que não entende de arte e boia sobre porque a galera pira quando uma guria [resolve pintar quadros vomitando]. E eu falo sem ironia: simplesmente NÃO ENTENDO. Mas gostaria, realmente gostaria de entender e acho que parte da recusa de muita gente de levar HQ a sério vem do isolamento que há entre boa parte dos quadrinistas e outros artistas (notadamente, muitos dos bem sucedidos são aqueles que não temem trocar ideias com as galeras de outras áreas).

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Grande parte do charme da Hq de Sáez é perceber a existência desse público que, como eu, sente-se alienado pela arte contemporânea, diante da impossibilidade de reconhecer uma unanimidade na vertigem dos discursos múltiplos que nos acompanha desde pelo menos o pós- Segunda Guerra. Mas dirige-se à parte desse público que verdadeiramente gostaria de se relacionar com a arte de seu tempo.

O recurso narrativo adotado pelo quadrinista é brilhante: elabora a HQ como um diálogo imaginário com sua mãe. O quadrinista, não apenas artista, mas amante de arte, entra na missão bastante relacionável de explicar aquele mundo no qual vive e pelo qual é apaixonado para sua mãe. A carga afetiva na qual essa relação está inevitavelmente inserida, obviamente ilustra a história: se o esforço do filho de partilhar seu mundo com a mãe é claramente amoroso, não deixa de ser também, em muitos pontos, marcado por certa arrogância. Numa estrutura que relembra a dos romances policiais, a ‘mãe’ é nosso Watson que está ali para nos tranquilizar de que, quando uma passagem não nos é clara, não é por sermos obtusos, mas porque o nosso Holmes está num nível diferente dos mortais. Difícil, aliás, não encarar essas horas como uma crítica do autor à tendência declaradamente hermética dos que falam de arte.

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Sáez ancora, numa leitura assumidamente (e que não poderia deixar de ser) pessoal,  a arte PARA ELE. Como ela provoca, como ela nos faz sentir. Como, em seus melhores momentos, ela se critica e reinventa. E como a cultura de ready-made deu aos artistas grandes poderes, mas nem tantas responsabilidades….

Mas o ponto forte está, claro, no traço de Sáez. Seu estilo que parece negar ao virtuosismo (quase) qualquer espaço, é abundante em ‘retificações’ de erros nos balões de fala e diálogos feitos à mão, um abraço ao erro. E obviamente, no erro, a arte é mais pessoal.

Não à toa, há dois momentos precisos em que sua arte dá espaço ao virtuosismo (ainda assim com pequenos defeitos que parecem quase certamente deixados de propósito): na imagem que ilustra o que é virtuosismo, e na reprodução do clássico quadro Ceci n’est pas une pipe de Magritte.

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São, obviamente trechos de crítica ao virtuosismo, mas, mais importante que isso: não alcançam a poesia do momento em que Sáez fala de Calder, ou a genialidade do trecho com doses iguais de ironia e admiração sobre Warhol, ou o tocante momento em que o autor sugere que o bem cozinhar é a arte de sua mãe. Como diz o próprio quadrinista, o virtuosismo pode trazer resultados assombrosos, mas sem sangue pulsando por baixo daquela superfície resta uma casca vazia.

Mas e aí? Que resposta disso tira o leitor que queria saber um pouco mais de arte além de um punhado de impressões de um quadrinista qualquer.

Sem respostas definitivas, fica apenas a impressão de que A Arte é um puta quadrinho foda e que foi bom embarcar nesse percurso com Juanjo. Posso terminar com o cliché de que talvez essa seja a melhor resposta possível?

5 de 5 estrelas.


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